Publicações independentes circulam em grupos restritos, mas que mantém viva essa cultura em Curitiba
ISABEL VICTORIO
Revistas underground, feitas de fã para fã, preparadas artesanalmente e com custo quase zero. A fabricação e distribuição dos fanzines, publicações impressas independentes com conteúdo reflexivo ou noticioso misturado ao artístico, agrupa um séquito de aficionados em todo o mundo. Com tiragens pequenas e sem visar o lucro, as publicações são recebidas por correio ou por intermédio de amigos. E mantêm viva, entre um clube quase secreto, a tradição da literatura impressa, mesmo com evoluções trazidas pela internet.
A chegada das novas mídias teve influência em algumas características dos fanzines, como a necessidade da impressão, segundo o professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Henrique Magalhães. “O impacto positivo é que agora se pode fazer uma publicação praticamente sem custo e com possível grande difusão [chamada de ezine]. O meio digital está possibilitando outras formas de comunicação, que precisam ainda de melhor definição”, diz o professor, que dirige um grupo de pesquisas sobre quadrinhos na universidade.
Diretor da iniciativa Resistência, que incentiva a produção de fanzines, o curitibano Lucas Mota, de 24 anos, confunde a noção de dominação do online sobre o impresso, e vice-versa, com seus projetos. Leitor de longa data e fazineiro há três anos, começou a publicar porque queria se comunicar de forma analógica e não apenas digital com o público da internet, com quem já tinha contato por ser blogueiro. “Hoje, eu atuo das duas formas. Existem os fanzines que produzo exclusivamente pra um público underground, mas também sou bem ativo na internet, para uma galera que prefere acompanhar tudo digitalmente”, conta.
Fãs como combustível para os fanzines
Os fanzines chegaram ao Brasil na década de 60, importando o formato surgido nos Estados Unidos, e tiveram o auge nos anos 80, com a popularização das fotocopiadoras. O incentivo para a perpetuação da cultura de fanzines por tanto tempo vem dos fãs, que são pessoas aficionadas pelo tema que as revistas abordam: “É inútil vender ou distribuir o fanzine de modo aleatório. Ele requer interação e só o público segmentado está disposto a participar dele, seja apoiando com sua compra, seja por meio de colaborações”, explica Magalhães.
Não há incentivos governamentais para a realização das publicações. Isso, porque “o fanzine não se enquadra nesse campo, ele é por princípio independente e incontrolável”, de acordo com o professor da UFPB. Mota concorda com essa ideia de independência e afirma que eventos como o Fanzinando, organizado pelo projeto Resistência, servem como forma de apoio aos autores. “Além disso, estamos preparando a fanzinoteca, recolhendo um acervo nacional de fanzines de todas as épocas possíveis para ter arquivado à disposição de todos na Biblioteca Pública do Paraná”, adianta ele. Mota edita o Zine Resistência, publicação de conteúdo ideológico elaborado pela organização, disponível online.
Para quem pensa em começar, a dica é se misturar aos fanzineiros. “É preciso ter algum conhecimento sobre o tema enfocado, bem como um círculo de amizade ou de aficionados que compartilharão o fanzine”, afirma Magalhães. “Basta ter vontade e um pouco de grana para fazer um”, resume o professor. Lucas Mota explica que Curitiba está em um meio-termo em relação à quantidade de pessoas que acompanham esse tipo de publicação. “A parte mais legal dos fanzines em qualquer lugar é que sempre existe espaço pra se começar um, seja em um local onde o movimento é grande ou até mesmo em uma cidade do interior onde ninguém conhece nada a respeito”.
Outra forma de se tornar autor
A ideia de se produzir conteúdo gratuito, impresso e artesanal, características dos fanzines, soa familiar quando comparada a uma iniciativa de incentivo a novos escritores, nascida em Curitiba, em novembro do último ano. A Liga de Autores Free é um projeto que edita, imprime e distribui, gratuitamente, livros de autores que não encontram espaço em editoras tradicionais. A proposta começou quando dois dos quatro idealizadores do projeto quiseram publicar uma obra, mas não tinham os recursos necessários.
O título “Provérbios de Cadeia” foi o primeiro a sair do forno, depois vieram outros dois e a revista “O Verbo”. A tatuadora Ales de Lara, fundadora e ilustradora da Liga, explica que quem quiser publicar um livro deve enviar um e-mail à editora com o material produzido, que será avaliado por uma banca. “O interessado não tem necessidade de ser um profissional, pois, tendo qualidade, mesmo que amador, nós o ajudamos a se desenvolver”, diz. Critérios como criatividade e eloquência são avaliados e têm peso maior que a gramática e ortografia, pois a equipe também conta com um revisor. Se o escritor for julgado apto, ganha uma coluna semanal na página do Facebook da editora, o que serve como um teste, e pode vir a publicar seu livro.
Sem depender de patrocinadores ou doações, são os coordenadores do projeto que custeiam a publicação. Os livros devem conter cerca de 30 folhas e têm a possibilidade de serem ilustrados por artistas que fazem parte do projeto. São impressas 100 cópias, que podem ter formato de brochura, serem grampeadas ou terem as páginas unidas com laço de fita. Para distribuir, a Liga prepara um evento temático de lançamento. “O evento acontece sempre em um local público, onde pessoas convidadas (ou não) podem pegar seus exemplares e, quando o autor é daqui, pode autografá-los também”, conta Ales. O autor mantém um contrato de dois anos com a editora e, só após desse período, tem direito a republicá-lo de forma paga.
A tatuadora também tem planos de se lançar como escritora. Sua coluna “Já Era Uma Vez”, no ar na rede social da editora, pode virar um livro. Entre suas inspirações literárias estão Neil Gaiman e Edgar Allan Poe, assim como livros do universo infantil. “Como sou ilustradora, também busco minhas referências nas obras de arte e outros tipos de artistas que não escritores”, comenta Ales, cuja coluna é ilustrada por outro artistas da Liga. “Virou até piada entre nós: ‘a ilustradora da Liga tem um ilustrador’”, diz, referindo-se ao espírito colaborador da iniciativa.