Novos preços tornam os campos de futebol inacessíveis às populações mais pobres, inclusive em Curitiba.
Miguel Mello
A final da Copa Libertadores da América disputada no dia 24 de julho, entrou para a historia do futebol brasileiro também fora das quatro linhas. Além do primeiro titulo continental do Atlético Mineiro, a renda do jogo superou os quatorze milhões de reais e quase dobrou o antigo recorde nacional, que era de pouco mais de oito milhões. Quando se faz os cálculos, percebe-se que os 60 mil torcedores que compareceram ao estádio pagaram em média mais de 230 reais por cada entrada.
Ingressos para a final da Copa Libertadores atingiram preços muito altos. Disponível em http://www.bhaz.com.br
Esses números contrastam com a tradição das massas ocuparem os campos de futebol. Se antes os bilhetes não passavam de 20 reais, hoje é difícil achar algum, no lugar mais barato do estádio, que não supere os 50 reais. Ao mesmo tempo, os pacotes de televisão e compra dos jogos estão mais acessíveis, e as classes mais baixas, que antes só tinham a opção de ir ao estádio para acompanhar seus times, passaram a acompanhá-los a distancia. Para o sociólogo e escritor Mauricio Murad, este processo de inversão é resultado da insensibilidade da maior parte dos grupos que administram os estádios, além das federações e os próprios clubes. “Não entendem que o futebol é uma de nossas mais influentes identidades públicas e que, portanto, os estádios não podem perder a força da presença popular, a força que fez e faz do futebol o maior evento de massas no Brasil. Isso acontece porque esses grupos econômicos (consórcios e outros administradores de estádios) somente visam o lucro”, conta.
Copa não é desculpa
Este processo de elitização dos estádios de futebol no Brasil é constantemente associado às novas arenas construídas para a Copa do Mundo de 2014. Para pagar os custos, os consórcios que administram os lugares têm colocado preços caríssimos nos ingressos. Como resultado, nem todas as áreas do estádio têm sido ocupadas. Um exemplo disso foi o clássico entre Fluminense e Vasco, que marcou a reabertura do Maracanã. Apenas os ingressos atrás dos gols, que além de serem os mais baratos são os únicos cujo dinheiro vai diretamente para os clubes, foram comprados em grande quantidade. O resultado disso foi um estádio ocupado apenas pela metade. “Até mesmo para garantir uma boa margem de lucro, é preciso entender que futebol é cultura popular e que a maioria de nossa população ainda vive em condições precárias. Quem não entende isso, não entende de Brasil, nem de futebol brasileiro”, explica Murad.
Mas, mesmo com o alto custo das obras para a Copa do Mundo, outros países que passaram pelo mesmo processo não precisaram elevar tanto o preço das entradas. É o caso da Alemanha, por exemplo, que tem a maior média de público do planeta, assim como ingressos a preços bem mais acessíveis que os brasileiros. Para o sociólogo, falta planejamento para que se possa atingir isso no Brasil. “É possível, sim, basta querer e ser inteligente, tanto no planejamento quanto nos fundamentos culturais e sociais dos eventos esportivos”, afirmou.
Fidelidade encarece o ingresso
O plano de sócios é uma das formas de garantir um lucro fixo para os clubes. Como uma estratégia de forçar os torcedores a aderirem aos planos de fidelidade, os clubes têm colocado o preço dos ingressos a níveis altíssimos, para que só valha a pena ir ao estádio se o torcedor comprar o pacote com todos os jogos da temporada. O que por um lado é bom para o clube e para quem tem dinheiro para pagar os planos, que garantem mais conforto ao usuário, por outro afasta as massas dos estádios, e restringe a possibilidade de assistir o jogo a um grupo menor.
Nos clubes da cidade de Curitiba, esse aumento é muito perceptível. Não por acaso, Coritiba, Atlético Paranaense e Paraná Clube tem planos de sócios com muito sucesso. Ao mesmo tempo, o ingresso inteiro mais barato no Couto Pereira (estádio do Coritiba) custa 95 reais. Quando manda seus jogos na Vila Capanema, o Paraná Clube cobra 40 reais. Já o Atlético chegou a cobrar 150 reais nos ingressos mais populares, mesmo enquanto não joga na Arena da Baixada, que está em reforma para a Copa do Mundo. Tudo isso reflete a tentativa de fazer a associação aos planos o único modo de se garantir dentro estádio.
Apesar disso, muitas pessoas acham válida essa nova realidade. Leonardo Ramos é torcedor do Coritiba, e acha que paga um preço justo. “Não consigo ver o preço do ingresso na arquibancada a 95 reais. Por exemplo, uma mensalidade do sócio arquibancada custa 65 reais, para ir em três ou quatro jogos, dá pouco mais de 20 reais por mês. Muita gente está afastada dos estádios de futebol pelo alto preço dos ingressos, mas a grande maioria está desinformada dos planos de sócios. Quando eu comecei a ir nos jogos eu pagava menos de 8 reais no meio ingresso e 16 anos depois pago 20 reais por jogo num ingresso inteiro. A diferença não é tanta assim.
Por outro lado, Mauricio Murad vê os planos de sócios mal aplicados. “É uma interessante alternativa, mas, como tudo no Brasil, foi implantada em alguns clubes de forma apressada e como solução mágica para os problemas de caixa do futebol brasileiro”. Ele ainda completa “É fundamental democratizar as relações entre torcedores e clubes”.